sábado, 30 de março de 2013

Canção do Pescador



CANÇÃO DO PESCADOR

Música de JOSÉ WILSON FONSECA

Lá vai ele carregado
Com a peixada pro Mercado,
A remar, quase feliz...
A canoa está lastrada
De sardinha, de pescada
E bonitos tambaquis.

Pescador, não comprei nada:
Guarda aí uma cambada!

Mas se lá da pescaria
A canoa vem vazia,
Sob a chuva ou sob o sol,
Triste volta o pescador:
Nada rende o seu labor
Se não há peixe no anzol.

Pescador, eu já pedi:
Deus dará peixe pra ti!

Emir Bemerguy, 24/10/1966.

sexta-feira, 29 de março de 2013

Recado aos cientistas



RECADO AOS CIENTISTAS


Ó formidável civilização
Forjada pelos gênios da Ciência!
Que pena eu ser assim tão paspalhão,
Quase chegando à beira da demência!...

Sobrevivente sou de esquisitices
Hoje por todos desmoralizadas...
Cultivo mitos, sonhos e crendices
Que fazem rir elites avançadas...

Prossigo, por exemplo, amando o vento,
As fontes borbulhantes, o luar,
Meu Tapajós quieto ou turbulento,
As aves coloridas a cantar!

Alvoradas alegres... Os ocasos!
Tristonhos sempre, como todo adeus...
Plantas queridas nos quintais ou vasos
- Eis uns dos tolos regozijos meus.

O mundo modernoso, então, gargalha
De anacronismos vis do sonhador...
Coisas assim o técnico estraçalha
Nos milagres de um só computador!

Os deuses cientistas não carecem
Do Deus que ERA Todo-Poderoso...
Os carolas que rezam já se esquecem
Dos prodígios que tanto lhes dão gozo?

A água sai da torneira, a luz de um fio...
As flores são do plástico da moda...
Aparelhos fabricam vento frio...
Tanto progresso as multidões açoda!...

E os homens vão perdendo suas raízes...
Ar puro e paz já não encontram mais...
A propaganda traz aos infelizes
Necessidades artificiais!

As consequências trágicas explodem
Nos suicídios, delitos e pecados!
Todos desejam, mas bem poucos podem,
Ser confortavelmente desgraçados!

Toma juízo, ó Homem leviano!
Vê na Ciência o que a Ciência é:
Jamais um fim, mas meio soberano
Para nas almas sustentar a Fé!

Inchados de vaidade, os tais doutores
Incorrem na fatal desfaçatez
De não render justíssimos louvores
Ao Criador que a todos eles fez!

Esperai, sumidades, e vereis
Desabar toda a sapiência vossa!
Do Deus que, cegos, não reconheceis,
Impunemente nunca se faz troça!...

Emir Bemerguy, 15/05/1975.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Histórias de Pescadores



HISTÓRIAS DE PESCADORES

Foi há uns dez anos. Entrei no escritório do empresário Hélcio Amaral e vi uma placa pendurada na parede. Li o texto e fiquei rindo, a louvar o espirituoso autor anônimo da pequena frase: “Aqui se reúnem caçadores, pescadores e outros mentirosos”. É apenas meia-verdade essa velha certeza de que sempre se deve duvidar das histórias narradas por quem caça ou pesca. Naturalmente, para vergonha nossa, não faltam os sujeitos exagerados, que costumam aumentar o peso e o tamanho de suas vítimas. A maioria, porém, conta corretamente o que aconteceu no rio, na selva, no lago, no mar. Só quem nunca se meteu nessas deliciosas aventuras, fica achando que tudo é invencionice. Vou repassar a você alguns casos absolutamente verídicos. Duvide, se quiser.
Hilário Coimbra procurava tucunarés, arrastando o seu corrico por essas beiradas. Conversava com o parceiro do bote, quando, de repente, viu a isca de metal erguer-se no ar. Foi subindo, subindo, até despencar novamente dentro d'água. O sem-vergonha de um gavião enganou-se e, pensando que era um peixinho vivo, tocou o bico no ferro! Por um triz não se fisgou no anzol!­
José Sarmento, meu robusto amigo contabilista, ia também corricando ali ao redor da Ilha dos Periquitos. Não pegava nada - como sempre - até que criou alma nova ao sentir o peso da linha. Pelo jeito, se não fosse um galho de pau, era um tremendo tucunaré. Foi recolhendo o fio e acabou tomando um baita susto: havia anzolado um... mergulhão! O arisco bicho nadava pelo fundo, sendo apanhado pela isca de ferro. São histórias de pescadores, mas acontecidas e testemunhadas.­
Alberto Dezincourt, o velho Marçal, é o pescador mais completo de Santarém. Conhece do espinhel à tarrafa, da pinauaca ao arpão, da malhadeira ao corrico. Ele conta que um amigo seu era tripulante de um grande navio. O barco estava fundeado, chegou a­ hora de sair e o comandante mandou levantar ferros. Estranhamente, a máquina puxadora trabalhava e nada acontecia. Tiveram que convocar mergulhadores para saber que mistério ocorria lá embaixo. Descobriram que uma colossal jamanta - a arraia do mar - dormia sobre as âncoras... Diz Marçal, repetindo a narrativa do amigo, que foi difícil acordar a distinta e fazê-la andar para que o navio se libertasse. Por esse “causo” não meto a mão no fogo. Parece história de pescador criativo.­­
Alfredo Oliveira é o mais antigo pescador de mergulho que temos em Santarém. Já estraçalhou milhares de enormes tucunarés, pirapitingas, surubins e o que aparecer. Ainda está em plena forma e sabe milhões de gostosas histórias, algumas arrepiantes. Viu Mapinguari, Curupira, Matinta-pereira, ouviu guariba falar com caçador. Conta que ali no Cais do Porto pegou carreira de uma arraia para ninguém pôr defeito: a bichona tinha um metro de distância entre um olho e outro! Se o sujeito não boiasse logo, o monstro o esmagaria, jogando-se várias vezes em cima dele. Quando eu fui apresentado a essa arraia do Alfredo, lembrei-me da jamanta do Marçal...­
Por último, uma historinha de confiabilidade total. Arnaldo Lisboa, eu e o Guiri puxávamos enormes sardinhas, à noite, lá de cima do Cais do Porto. Usávamos pedacinhos de camarão quando, em dado momento, vimos o impossível: Guiri fisgou algo estranho, que se debatia muito. Jogada a vítima sobre o chão, foi uma gargalhada só, pois um vasto morcego estava devidamente anzolado! Ao comer a isca, o rato que resolveu ser aviador ficou preso e deu trabalho para sair da linha. Arnaldo e eu advertimos o infeliz Guiri: “Quem pega morcego, nunca mais há de pescar nada que preste”. Desfaz-se a reunião de caçadores, pescadores e outros cidadãos confiáveis.­­
(Emir Bemerguy – Santarenices)

quarta-feira, 27 de março de 2013

terça-feira, 26 de março de 2013

Vida de Pescador


VIDA DE PESCADOR


“Antônio, deu duas hora;
Fui agorinha lá fora.
A estrelona já saiu”
- Diz a mulher, sacudindo
A rede onde está dormindo
O seu caboclo, com frio.

Ele acorda, preguiçoso,
Daquele sono gostoso
Que faz pena terminar.
 Abre a porta do quintal:
O vento sopra terral,
A Lua já vai sentar.

E se prepara, apressado:
Está um pouco atrasado
Pra aproveitar a maré.
Apanha remos, tarrafa,
Predispõe-se para a estafa,
Toma um gole de café.

Pega a cuia, encontra a saca
Onde bota desde faca
Até tabaco e encerado;
Ali vão sal e farinha
Pra fazer uma “boinha”,
Tem carbureto e terçado.

Chegando à beira da praia,
Com cautela (tem arraia!)
Desamarra a montaria.
Dispõe tudo direitinho
Nos bancos e, então, sozinho,
Parte rumo à pescaria.

E pelo resto do dia
Ele enfrenta maresia,
Dá murro de fazer dó!
Diz palavrão pra piranha
Que rouba isca com manha.
Revira todo o igapó!

Se estiver a maré boa,
Pescador traz na canoa
Uma bonita peixada.
Mas pode também chegar
Sem peixe algum no seu lar
Pro pirão da filharada.

É dura, meu Deus, é dura,
Incerta, braba, insegura,
A vida do pescador!
É trabalho muito estranho,
Pois nunca ele sabe o ganho
Que vai ter com seu labor.

Pescaria é distração
Pra quem tiver profissão
Que lhe permita viver.
De outro modo, minha gente,
É faina ingrata, é batente
Bem difícil de vencer.

Pra terminar, vou contando
O que me disse, brincando,
Um deles: “Sem exagero,
Nossa vida é de amargar!
Quando a gente tá de azar,
Come urubu sem tempero!”

Emir Bemerguy, 10/11/1966.

domingo, 24 de março de 2013

Alma Vadia

Mais uma poesia feita para mamãe, a eterna musa inspiradora de papai:



ALMA VADIA

Eu gosto de sonhar nas noites como esta,
Em que meu Tapajós reflete a luz da Lua...
Minh'alma de boêmio ausente da seresta
Liberta-se do corpo e foge pela rua...

A vida contra mim os seus fuzis assesta;
Qual fera furiosa, sem cansar, me acua...
Mas teimo em transformar meus medos numa festa:
Convém que ao coração a paz se restitua.

Por isso é que me ponho, em noites assim claras,
A passear, sonhando, por lonjuras raras,
Sorrindo, com desdém, do que virá depois...

Na estrela que mais brilha eu me reúno a ela,
Num refúgio que a musa ao mundo não revela:
A Lua... O tapiri... Meu violão... Nós dois!...

Emir Bemerguy - 09/03/1975.

sábado, 23 de março de 2013

Defunto apressado

Neste poema, de 1976, papai brinca com sua fama de apressado, conhecida por toda a família:



DEFUNTO APRESSADO


Às carreiras eu passo pela vida...
Meu relógio consulto a todo instante...
Sou afobado, elétrico, nervoso:
Tudo o que faço é sempre galopante...

Herdei a pressa... Prêmio de ancestrais...
O meu avo paterno era afamado:
Exigia que filho seu nascesse
Um mês antes do tempo estipulado...

Serei capaz de, no meu próprio enterro,
Lembrar a todos - rígido, mas sério:
- Vamos, ó gente! Já são cinco horas!
Conduzam-me, correndo, ao cemitério!...

Emir Bemerguy, 30/10/1976.