segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

O olho de boto

Mais um trecho do romance "Maromba", onde, numa roda de ribeirinhos numa "ferra' de gado se conta um "causo" de boto:



- Apareceu em Santarém um cabuco desses lá do Brasir, que chega nos navio do Lóide. Dizque era namurador como o cão e ouviu dizer que ulho de buto é muito pai-d'égua pra arrumar mulher. 
- Isso eu garanto - proclama Carrapato. Nos meus tempo de rapaz sorteiro, eu andava com eles nos borso da carça e fazia miséria com a mulherada, seus menino! Eu nem gosto de me alembrar, que me dá vontade de chorar. 
- Mas deixa eu acabar, pitomba! - exclama Potoca, impaciente. O cuirão do macho mulherengo percurou arguém que vendia ulho de buto e comprou um, nuvinho em folha. Enfiou a praga no borso da carça, mas as coisa começaram a ficar insquisita pras banda dele. 
- Por quê? - indaga Caraxué, sorrindo. Ele teve encrenca com marido de mulher casada? 
- Que nada! Diz Potoca. Era até mais melhor que fosse isso. O garanhão deu foi pra falar fino, piscar pra homem e andar rebolando a bunda, feito fêmea! E só bigududo se engraçava dele! 
- Na cidade tem muita judiação - filosofa Totonho. Eu tô mardando que fizeram argum feitiço pro desinfeliz. 
-Tu quer adivinhar, mas tu não acertou! - zomba, vitorioso, o imaginativo narrador. Dispôs de sufrer o diabo, o bunitão acabou descobrindo o que tinham vendido pra ele era ulho de buta!... O cabuco, avacalhado, sumiu da cidade e nem cachurro de faro fino sabia onde ele se enfiou.
Gargalhadas estouram, sobretudo porque o crioulo sai andando a balançar as nádegas e a falar fino, como o herói da história. Mané Carrapato, meio bêbado, rola no chão, rindo, e Zé Potoca se baba de gozo com o triunfo quando Presidente os convoca: 
- Ei, seus cuirão! Vumbora que a bóia tá pronta, tinindo! 
E lá se vão todos, ainda se contorcendo de rir. Agora, em volta do moquém, se empenharão numa valente disputa de apetites. A carne suculenta e aromática, a farinha torrada, a jiquitaia especial e o limãozinho com cachaça à vontade farão milagres. Vão atirar efêmeros, mas merecidos dulçores sobre essas vidas intragavelmente amargas durante a maior parte do ano. 

(Emir Bemerguy - "Maromba" - 1975)

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